Houve um tempo em que o nosso planeta era habitado somente por animais. Era um tempo de grande harmonia entre as espécies. Querendo registrar em livros essa época da história, a bicharada resolveu criar a escola. Todos se empenharam em descobrir como participar da sua construção. Resolveram, então, dividir as tarefas, para que todos colaborassem.
Os elefantes, os camelos e os pássaros ficaram responsáveis pelo fornecimento de água.Os leões, os rinocerontes, os búfalos e as zebras foram encarregados de fornecer toda a madeira necessária. Já os porcos, os hipopótamos e os jacarés cuidaram da confecção de tijolos. Os castores, os veados e as hienas, com o apoio dos joões-de-barro, se comprometeram em levantar as paredes.
Como o trabalho exigia altura e agilidade, as girafas e os macacos se propuseram a construir o telhado. Os camaleões, os pavões e as borboletas cuidaram da pintura e da decoração.
Depois da escola pronta, fizeram uma grande festa, para comemorar o resultado dos seus esforços. Descobriram que, graças à solidariedade e à cooperação de todos, poderiam, finalmente, estudar todos juntos.
Com o passar do tempo, a bicharada tornou-se esclarecida e consciente da sua realidade e aprendeu, dentre outros conhecimentos, a importância de cada um na sociedade. Os bichos reuniram-se toda semana para discutir vários assuntos e encontrar soluções para a melhoria da qualidade de vida. As boas relações entre as diferentes espécies favoreciam tanto os que ensinavam quanto os que aprendiam.
Porém, numa manhã fria de inverno, surgiu na escola um bicho muito estranho. Seu olhar de valentão dava medo, causava até arrepios. Ninguém sabia de onde ele tinha vindo e a que espécie pertencia.
Não se parecia com nenhum habitante do planeta. Por suas características e pelo tipo de influência que provocou em outros bichos, chamaram-no de Bullying. Os animais que com ele tiveram contato mudaram o comportamento e a maneira de agir com os colegas. Tornaram-se agressivos, prepotentes e perversos. Adotaram formas de “brincar” muito diferentes das conhecidas até então. Suas “brincadeiras” geravam sofrimento, chateação, vergonha e constrangimento aos colegas, inibindo o aprendizado e a maneira de ser de cada espécie.
Suas atitudes tornaram-se hostis com os mais fracos e indefesos As diferenças existentes entre eles, que antes eram consideradas normais, passaram a ser motivo de chacotas e ridicularizações. Os que apresentavam dificuldades de aprendizagem eram “zoados” e apelidados. Muitos acabaram desistindo da escola, outros sofriam calados, temendo represálias.
A maioria dos bichos presenciava o comportamento dos colegas, mas, por alguma razão, nada faziam. Essas mudanças de comportamento provocaram sérios problemas de convivência na escola e o interesse pelos estudos ficou prejudicado.
Assim, o Leão tornou-se o valentão da escola, agindo de maneira dominadora e procurando impor sua autoridade. O urso, vendo que a popularidade do leão crescia a cada dia, passou a usar sua força para intimidar e obter vantagens.
A cobra, que até então era amiga e conselheira, começou a espalhar boatos difamando a galinha, dizendo que esta era namoradeira. Como tinha habilidade para desenhar, retratava a galinha em situações constrangedoras e passava para todos os colegas.
O cachorro, que antes protegia a todos, também mudou seu comportamento e passou a agir com perversidade, rosnando e fazendo ameaças. Coagia a girafa, obrigando-a a destruir os ninhos de passarinhos ao término das aulas Os passarinhos indignados, reclamaram na escola, mas a perseguição aumentou ainda mais, deixando-os apavorados.
A hiena, temendo tornar-se a próxima vítima, ria da maldade que os colegas faziam. Como estratégia, passou a criticar a gralha, responsável pelo sinal da troca de aulas, devido ao seu tom de voz estridente. A gralha, ouvindo constantemente as risadinhas dos colegas e sentindo-se humilhada, foi aos poucos se retraindo, até que desenvolveu uma gagueira e não pode mais tocar o sinal da escola.
A anta, cheia de dúvidas, evitava fazer perguntas à professora, pois se sentia envergonhada zela zoação que recebia, prejudicando sua aprendizagem.
Com a preguiça algo semelhante aconteceu. Aos poucos foi excluída do grupo. Tão chateada ficou que a motivação para os estudos e suas notas despencaram. Nem o alegre e estudioso pinguim escapou aos maus tratos. Sofria perseguição porque estava sempre elegante e bem vestido. Depois de algum tempo tornou-se estressado e mal humorado.
Revoltante mesmo foi o que fizeram com o camelo e o esquilo. Eles não sabiam mais o que fazer, porque eram obrigados a entregar seus lanches todos os dias, para não apanhar na saída da escola. Com o veado, os valentões da escola pegaram pesado: excluíram-no do time de futebol, dizendo que era demasiadamente sensível para os esportes.
Situação humilhante enfrentava o coelho. Seus colegas faziam gestos em sua direção e riam, apontando para o tamanho dos seus pés, dentes e orelhas. Com o tucano também foi assim, só que este tornou-se agressivo, por causa das piadinhas que faziam com o seu bico, e durante o recreio procurava os galhos mais altos e afastados para sozinho comer o seu lanche.
Já o urubu andava chateado, porque era sempre constrangido devido à sua alimentação. O gambá decidiu abandonar a escola porque implicavam com o seu cheiro. A onça, cansada de receber apelidos por causa de suas pintas, resolveu implicar com o tamanho da boca do jacaré. O jacaré, por sua vez, acabou descontando no sapo, que adoeceu de tanto medo.
Estranho foi o que fez a pacífica ovelha: proibia a pata de lanchar com a turma. A pata, não entendendo os motivos, chorava pelos cantos da escola, acreditando que ninguém gostava dela. Aos poucos, sua autoestima foi baixando, até que perdeu a confiança em si mesma, tornando-se insegura, aflita e temerosa.
Até a pacata zebra mudou seu comportamento, depois de muito sofres “zoações” por causa das suas listras, e passou a dar coices nos colegas. O tatu provocava inúmeras situações embaraçosas e, como não conseguia se defender, se escondia no buraco, mas, quando saía, levava cada safanão... A coruja sofreu tanta “zoação” por causa dos seus olhos grandes que já não queria mais sair de casa. Em conversa com sua mãe, ela contou que sentia muita raiva dos colegas, que não queria voltar para a escola e que pensava em se vingar.
O elefante, coitado, ia para a escola de casaco, num calor danado, para disfarçar sua gordura. Um dia, cansado das chacotas dos colegas, decidiu emagrecer, mas acabou desenvolvendo anorexia (perdeu a vontade de se alimentar) e teve que interromper seus estudos para tratamento.
O canguru não aguentava mais: todo dia desaparecia alguma coisa da sua mochila. O macaco, muito bisbilhoteiro, sempre levava a culpa, mesmo sendo inocente. Irritado com as acusações injustas, começou a fazer brincadeiras inconvenientes com o porco por causa dos seus problemas intestinais.
Fato curioso aconteceu com o rinoceronte: apanhava todos os dias. De tão amedrontado, quis desistir da escola, mas seus pais não deixaram. Bem que tentava se defender, mas, sozinho, sentia-se impotente para enfrentar o grupo. Para ele, pior do que apanhar dos colegas, apesar do seu tamanho, era mentir para os pais, inventando desculpas para faltar às aulas.
Triste mesmo foi o que aconteceu com a raposa. Antes ela era meiga, esperta, excelente aluna, mas de tanto sofrer intimidações, foi perdendo a espontaneidade e a alegria de viver. Dizem que agora é perigosa, entrou para uma gangue e está envolvida com drogas. Com o cavalo também foi assim. Querendo dar um basta nos maus tratos que sofria, veio armado para a escola e acabou sendo expulso.
Com a abelha e a formiga não foi diferente. Após sofrerem muitas ofensar por causa do seu tamanho, elas formaram um grupo e planejaram estratégias de ataques contra seus colegas nos banheiros e no pátio do recreio.
Interessante percepção foi a da mãe coruja. Notando que sua filha chegava da escola agressiva, com ar de superioridade, querendo intimidar seus irmãos mais novos, resolveu ficar atenta. Procurou a direção da escola e contou o que estava acontecendo, querendo saber se lá ela agia assim. Nessa época, vários pais procuraram a escola para tentar entender os problemas apresentados por seus filhos. Outros começaram a tirar os filhos da escola. Até os professores não aguentavam mais tanta violência.
Após reunir a equipe de professores e analisar os problemas enfrentados, a direção da escola percebeu que toda essa mudança de comportamento foi promovida por aquele bicho estranho, que haviam chamado de Bullying. Assim, a escola resolveu convocar todos os seus profissionais, os pais e os alunos para uma grande reflexão. O grupo concluiu que o medo, a insensibilidade, a dificuldade de compreender e se colocar no lugar do outro e a intolerância às diferenças individuais de cada um estavam prejudicando o ensino, a aprendizagem, as relações sociais entre as espécies, e a violência crescia no ambiente escolar.
O papai búfalo lembrou a todos que, na construção da escola, cada um contribuiu conforme suas habilidades e o resultado foi extra-ordinário. Todos cooperaram com alegria, e a amizade foi fortalecida entre eles.
O diretor considerou que a maior dificuldade dos alunos não estava na aprendizagem das disciplinas curriculares, mas sim na convivência, e disse que, doravante, todos na escola se empenhariam em educar os alunos para a paz, a fim de que a escola se tornasse um lugar onde todos pudessem ser incluídos. Por isso, resolveram ensinar sobre a importante participação das diferentes espécies na história da evolução e da manutenção do planeta.
Desta forma, os alunos aprenderam que as diferenças sempre existirão, mas são os diferentes que fazem a diferença.
FONTE: Cléo Fante e José Augusto Pedra (autores do livro Bullying Escolar – Artmed).
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